segunda-feira, 25 de junho de 2012

Um negrume incontornável

"O Cavalo de Turim" estreou em Portugal há cerca de duas semanas em apenas duas salas, uma no Porto e outra em Lisboa. Felizmente, tive a oportunidade de visionar o filme porque vivo relativamente perto da capital.

A película aproveita factos reais para apresentar uma narrativa simples que lhe valeu o Urso de Prata do Festival de Berlim de 2011. "O Cavalo de Turim" inicia-se com o relato de um episódio que poderá ter desencadeado o processo de degradação pessoal do filósofo alemão Nietzsche - estando ele de viagem em Turim, na Itália, deparou-se com o chicoteamento de um cavalo de carga, que tentou proteger abrançando o seu pescoço. Pouco tempo depois, Nietzche começou lentamente a revelar sinais de loucura e depressão que o acompanhariam até à morte, perto de uma década mais tarde. A linha narrativa de "O Cavalo de Turim" tenta então perceber o que aconteceu àquele cavalo e quem eram os seus donos, um pai e uma filha, acompanhando as suas rotinas e a sua difícil e humilde vida, onde as batatas cozidas matam a fome e nada parece haver a dizer.

"O Cavalo de Turim" é um filme extremamente curioso, que desperta estranheza e uma sensação de claustrofobia. A narração inicial com o ecrã envolto na escuridão e no silêncio, parece um prelúdio para as acções que se avizinham, filmadas a preto e branco, em que a esperança de uma vida melhor e a subtileza do dia-a-dia e da vida pacata se esbatem. O ruído do vento, o adoecimento do cavalo e a austeridade dos espaços e da relação entre pai e filha contribuem para uma sensação de tristeza e isolamento desolador que ilustram a descrença num destino melhor para aquela família. O facto de a filha ajudar o pai débil a vestir-se, incentivar o cavalo a melhorar e acabar de comer praticamente ao mesmo tempo que o pai permitem vislumbrar a ternura que resta naquele microcosmos de desesperança. O filme consegue capturar bem a descrença de Nietzsche na esperança, o seu negativismo, que por momentos o abraço ao cavalo pareceu apaziguar. Aliás, "O Cavalo de Turim" parece querer mostrar os ideais e o niilismo de Nietzsche aplicados a personagens humildes e rurais, pouco formadas e sem pretensões.
Porém, "O Cavalo de Turim" é também uma oportunidade de Béla Tarr, o realizador, exibir as suas preferências enquanto realizador: planos longos, a monotonia da acção e a lenta degração do das três principais são explorados. O seu gosto em dar papéis de relevo à natureza, humana e natural, também é notável.
O filme é bastante realista na maneira como está filmado: parece que o prato que caiu ao chão aterrou algures duas filas à nossa frente. A banda-sonora angustiante pode levantar arrepios, bem como a brancura do céu em contraste com quase tudo o resto, que se mostra em tons de cinzento e preto.
O maior defeito do filme é a sua duração, que excede as duas horas e vinte minutos, mas não é penoso acompanhar a narrativa.
O filme é muito recomendável, principalmente a quem está familizarizado com as obras de Nietzsche. Se se encontra triste, irritado, deprimido, recomendo que veja outra película mais alegre e deixe esta para outro dia.

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