terça-feira, 10 de abril de 2012

Singularidades de um cineasta

Há uns dias tive oportunidade de visionar pela primeira vez um filme de Manoel de Oliveira na íntegra. Era um dos mais recentes, "Singularidades de uma Rapariga Loura".
Já tinha visto alguns excertos de filmes de Oliveira. Uns pareceram-me interessantes, com diálogos complexos e meditativos, outros perfeitamente dispensáveis, meros exercícios de cinema. Oliveira é um dos mais respeitados cineastas portugueses e é o mais idoso em actividade e algo deverá ter pelo menos parte da sua obra para que ele seja elogiado como é. No entanto, desconfio tratar-se o senhor de Oliveira de um artista com um rol de obras de qualidade inconstante e que desagrada a muitos espectadores.
Este "Singularidades de uma Rapariga Loura" adapta um conto de Eça de Queirós aos tempos modernos. Macário trabalha nuns armazéns de venda de tecidos e que experimenta a paixão e a desgraça à custa de uma jovem que se refresca com um leque chinês enquanto passa a maior parte do tempo numa das divisões da casa familiar, cuja janela está em frente à da do escritório do protagonista. Macário conta toda a história que envolveu ambos a uma curiosa mulher num comboio a caminho do Algarve, sendo a narrativa central mostrada como uma série de analepses e memórias.

Certamente, esta não terá sido a melhor escolha para me iniciar no cinema de Manoel de Oliveira. "Aniki Bobó", "Douro, Faina Fluvial", "Vale Abraão" teriam sido talvez melhores apostas.
"Singularidades de uma Rapariga Loura" peca em muitos aspectos. Para já, a transposição da narrativa de Eça de Queirós podia ter sido mais criativa, mantendo aspectos do texto original, mas moldando-o a uma realidade contemporânea, tendo como exemplos de casos semelhantes mais bem-sucedidos "Romeu e Julieta" (Romeo+Juliet) ou "Coriolano" (Corialanus), entre outras adaptações da obra de Shakespeare ao grande ecrã. O filme de Oliveira, ao não conseguir esse feito, cria um filme de ficção inverosímil. Hoje faria sentido alguém ganhar uma fortuna com um negócio pequeno em Cabo Verde? Um romance como o de Macário e Luísa teria no Portugal actual um desfecho como aquele?
Outra das falhas de "Singularidades de uma Rapariga Loura" é a teatralidade dos actores. O seu tom e a sua postura em cena são quase artificiais, algo que noto em muitos filmes portugueses, que parecem recriações de peças de teatro exageradas em vez do que devem ser. O actor principal, Ricardo Trêpa, neto de Manoel de Oliveira, tem uma má prestação na película, desinspirada a maior parte das vezes e inverosímil.
Peço também ao senhor de Oliveira para ter cuidado com os lugares-comuns. Alguns aceitam-me, outros são inevitáveis, mas existem os definitavemente evitáveis e patetas. Uma mulher que ergue a metade inferior da perninha enquanto recebe um beijo é mais do um cliché, é uma imagem kitsch que hoje não tem grande valor.
O avançar da trama está bem conseguido, mas as falhas são demasiadas.

1 comentário:

Críticas boas e más às críticas